Olá, leitores! Espero que estejam bem.
Este é o segundo post da série "O Que Eles Faziam?", na qual vou contar um pouco mais a vocês sobre cada autor, focando no que ele trabalhou e/ou estudou durante a vida, além de ser escritor. Ou se decidiu viver somente de literatura. Como a repercussão do primeiro post foi bem legal, faço agora este segundo post colocando o meu autor preferido (ao lado de Machado de Assis). Inicialmente, este post iria conter dois autores, mas a genialidade do autor sobre o qual falarei aqui é tão grandiosa que decidi dá-lo um lugar no blog com um post "solo".
Para quem me conhece, sabe que estou falando de Franz Kafka.
2) Franz Kafka (1883 - 1924).
Algumas obras: A Metamorfose; O Processo; O Castelo; O Veredicto. Franz Kafka nasceu na região da Boêmia, então parte do Império Austro-Húngaro (e atual República Tcheca), no ano já descrito acima. Era de família judia de classe média e tinha pais autoritários; foquemos principalmente na figura do pai, que representou durante a vida toda um grande estigma em seu caminho para a sua principal vocação: a literatura. Quando Kafka terminou de estudar no rigoroso colégio clássico estadual, o Altstädter Deutsches Gymnasium, que ensinava em língua alemã, ficou num impasse familiar sobre o que estudaria daí em diante. Kafka falava tcheco e alemão, e considerava esta segunda sua língua-mãe. Queria estudar letras, filosofia e história da arte, mas seu pai, Hermann Kafka, o impediu. Dizia que estes cursos eram cursos para vagabundos, e que o filho tinha a opção de estudar Química ou Direito. O filho começa a cursar Química em 1901, mas abandona o curso com duas semanas de duração, e muda para o curso de Direito, onde tem a oportunidade de estudar Língua Alemã e História da Arte, além de participar de um grupo estudantil, o Lese-und Redehalle der Deutschen Studenten (Salão de Leitura e Oratória dos Estudantes Alemães), que organizava eventos literários, leituras e outras atividades. Depois que se formou, em 1906, Kafka trabalhou sem-remuneração (e obrigatoriamente) como empregado de um escritório para cortes civis e criminais. EM 1907, Kafka trabalhou por quase um ano na Assicurazioni Generali, uma companhia de seguros italiana. Escrevia a seu grande amigo, Max Brod, o quão insatisfeito estava em trabalhar das 8:00 as 18:00. Não lhe restava tempo para focar em literatura. Depois, conseguiu um emprego mais tranquilo numa companhia de seguros, o Instituto de Seguros por Acidentes de Trabalho do Reino da Boêmia. Mais tarde, Kafka se tornou sócio-companheiro na primeira fábrica de amianto de Praga, junto com seu cunhado (marido de sua irmã Ellie), chamada Asbestwerke Hermann & Co. Também acabou por se sentir insatisfeito, uma vez que não sobrava-lhe tempo para a literatura. Em 1915, foi convocado ao serviço militar durante a Primeira Guerra Mundial, mas seus patrões conseguiram adiar sua ida, por considerarem seu serviço como "essencial e bem feito". Tentou por conta própria entrar no exército, mais tarde, mas foi impedido por seus problemas relacionados à tuberculose. A doença (que o mataria anos mais tarde) piorou, e Kafka recebeu licença do trabalho com direito a uma pensão. Passou o resto da vida entre sua casa, curtas viagens e sanatórios.
Opinião:
Kafka é meu ídolo-mestre, ao lado de Machado de Assis. Pode-se colocar sua escrita na categoria de "Realismo Fantástico". Tive o primeiro contato com sua literatura no ensino médio, aos 16 ou 17 anos, ao ler A Metamorfose, a pedido de minha professora de Literatura da escola. Na época fiquei sem entender muito bem o que o autor quis dizer na história, mas gostei, porque achava interessantes histórias que se passam em um único local ou momento. Sempre achei interessantíssimo descrições psicológicas profundas enquanto o "ao redor" acontece simultaneamente, mas em segundo plano. Anos depois, acredito que com 21 anos, voltei a ler A Metamorfose. Foi a porta de entrada para o mundo kafkiano que envolveria a minha leitura e minha própria escrita. Li, depois, O Veredicto e Na Colônia Penal, os dois contos colocados num único livro. Depois, li (este com maior dificuldade) O Processo. Hoje, estou lendo um livro com trinta e seis contos de Kafka, inédito no Brasil, chamado "Blumfeld, Um Solteirão de Mais Idade & Outras Histórias". Sou apaixonado na literatura pesada de Kafka. "Pesada?", sim. Aos fãs de Harry Potter, comparo a leitura de Kafka com o encontro entre um ser humano e um dementador (hehe). Brincadeiras a parte, a leitura de Kafka sempre causa incômodo. Nunca leremos Kafka e sairemos da história da mesma maneira que entramos. E essa é sua genialidade, para mim. Kafka era triste, angustiado, enojado com a opressão que 'o sistema' (representado pelo trabalho e pelo pai autoritário) exercia sobre a população de sua época (e que podemos trazer para nossa própria). E nem por isso sua literatura foi somente momentos de desabafo pessoal. Kafka usa muito em sua escrita a figura de metáfora. Ele era perfeito no que fazia: até mesmo os erros de sua escrita parecem ser propositais. Não leremos nunca em Kafka a frase "o trabalho se tornou mais importante que os seres humanos"; veremos isto representado de alguma forma metafórica, como em (spoiler) "A Metamorfose", quando Gregor Samsa acorda metamorfoseado num inseto enorme e sua principal preocupação é a de "como irá trabalhar daquele jeito?". O mesmo vemos em (spoiler) "O Casal", quando um pai de família moribundo só assiste da cama homens de negócios que foram visitá-lo para conseguir dinheiro. É essa genialidade que me encanta em Kafka. A pressão que sofremos em O Processo junto com o personagem "K." pelo fato de não sabermos como sair daquela incômoda situação imposta no livro; ou então o poder representado pelo pai em "O Veredicto", indicando já como a figura do pai era absurdamente angustiante em sua vida; ou as situações impossíveis que Kafka torna natural tão genialmente em contos como "Um Médico Rural" e "Blumfeld, Um Solteirão de Mais Idade"; ou ainda a descrição da alienação que dominava as pessoas em sua época (ou diria eu, em 2018?), retratada em "O Comerciante" e "O Vizinho". Enfim, não quero me prolongar mais. Kafka é tão importante para mim pelo fato de ter sido o primeiro autor que conseguiu causar um grande impacto em mim. Ele derrubou a barreira que eu tinha em ler/escrever histórias curtas (algumas de uma página) e de me encantar mesmo assim. Derrubou a barreira que tinha em escrever (mesmo que metaforicamente) sobre o tudo o que penso, doa a quem doer. Hoje eu amo descrições psicológicas, situações incomuns tornadas naturais, histórias curtas e "locais", histórias metafóricas e principalmente situações kafkianas (e quero aprender alemão), por causa desse mestre, morto tão precocemente pela tuberculose. É isso. Como vimos, Kafka também precisou trabalhar em empregos não relacionados à literatura para viver, o que, inclusive, o aborrecia. Termino o texto agradecendo a atenção dos leitores e citando a tão famosa frase que Kafka disse certa vez a seu grande amigo, Max Brod, e que talvez retrate quem ele foi e qual a "missão" que achava ter neste mundo:
"Tudo o que não é literatura me aborrece."